Práticas recomendadas em radioembolização transarterial
Título do artigo original:
Standards of Practice in Transarterial Radioembolization
Práticas Recomendadas em Radioembolização Transarterial
Referência Bibliográfica: Mahnken AH, Spreafico C, Maleux G, Helmberger T, Jakobs TF. Cardiovasc Intervent Radiol. 2013,36:613-622
Revisado por: Dr. Joaquim Maurício da Motta Leal FilhoDiretor da SOBRICE (biênio 2013-2014)
Contexto: O tumor primário do fígado é a segunda causa mais frequente de morte por câncer no mundo e as metástases para o fígado é a causa mais comum de morte por câncer no mundo. Somente 25% dos pacientes que são diagnosticados com tumores hepáticos (primários ou secundários) são elegíveis para cirurgia, tratamento definitivo (padrão ouro). Nesse sentido, técnicas intervencionistas foram desenvolvidas, e muitas são consideradas de primeira linha, para tratar os 75% dos pacientes que não poderão ter os seus tumores ressecados.
Embora seja necessária uma dose > 70 Gy para destruir tumores sólidos, num tecido hepático normal a tolerância a radiação é de aproximadamente 30 Gy. Essa condição restritiva, suscitou a ideia de entregar a partícula radioativa através da administração transarterial superseletiva. Além disso, diversos agentes radioativos foram testados, mas o mais importante deles é o Ytrium 90.
Definições: Fração de Shunt Pulmonar (FSP) – é a porcentagem (fração do shunt) de microesferas carreadoras de radiação injetadas no fígado e que vão parar no pulmão devido ao shunt.
Síndrome Pós-Embolização – são os sinais e sintomas apresentados pelo paciente e consequente a radioembolização (RE), incluindo fadiga, febre baixa, náuseas e vômitos, desconforto abdominal e mal estar. A SPE ocorre em 50% das RE e tem duração aproximada de duas semanas.
Doença Hepática Radiação-Induzida (DHRI) – ascite não-maligna e elevação de fosfatase alcalina pelo menos duas vezes o limite superior dos níveis normais até 4 meses após a RE. Ausência de icterícia.
Indicações para radioembolização:
• Para doença metastática
1 – Paciente com doença metastática fígado-dominante que foi considerada irressecável pelo cirurgião ou que é inoperável devida as comorbidades apresentadas pelo paciente.
2 – Em caso de doença extra-hepática, em que a carga tumoral hepática seja considerada como a limitadora da expectativa de vida do paciente.
3 – Paciente cuja expectativa de vida ultrapasse 3 meses, idealmente com ECOG escore = 2 (Eastern Cooperative Oncology Group status score).
4 – Indicação típica – metástase hepática colorretal após falha da segunda linha de quimioterapia, RE como terapia de salvamento ou como tratamento adjuvante a primeira ou segunda linha de quimioterapia.
5 – Como terapia neoadjuvante antes da ressecção hepática, talvez deva ser considerada (estudos em andamento).
6 – Pode ser útil como terapia de salvamento em qualquer outro tipo de metástase hepática (estudos em andamento).
Para hepatocarcinoma (HCC):
1 – RE deve ser realizada em vez da quimioembolização (TACE) em paciente que preencher os mesmos critérios para TACE, de acordo com os critérios de Barcelona (BCLC).
2 – Devido à falta de estudos comparando TACE x RE, em muitas instituições, a RE fica reservada para aqueles pacientes que não obtiveram resposta a TACE; pacientes que apresentam trombose da veia porta (segmentar ou do tronco principal); ou para pacientes com doença difusa ou multifocal.
Contraindicações para radioembolização:
1 – Reserva hepática funcional insuficiente, bilirrubinas > 2,0mg/dL e albumina < 3g/dL.
2 – FSP grave, resultando em uma dose para o pulmão = 30Gy.
3 – Impossibilidade de ocluir as artérias para o trato gastrointestinal através de técnicas de embolização, ficando assim o paciente sujeito a embolização de órgãos não-alvos.
4 – Tratamento prévio, até dois meses antes da RE, com Capecitabina.
Preparo Específico para a Radioembolização:
1 – Estudo angiográfico detalhado para conhecimento da anatomia vascular hepática e esplâcnica com o objetivo de identificar os vasos nutridores tumorais e os vasos hepatofugais (vasos direcionados para estômago, duodeno e pâncreas).
2 – Embolização das artérias gastroduodenal, gástrica direita, ramos pancreatoduodenais e artéria falciforme afim de evitar refluxo de material radioativo para órgãos não-alvos.
3 – Portanto, as arteriografias obtidas imediatamente antes de realizar a RE devem, verdadeiramente, excluir a recanalização das artérias supracitadas previamente embolizadas.
4 – A FSP deve ser analisada antes da RE, utilizando injeção de composto macroagregado (200 MBq de albumina marcada com tecnécio 99) através da artéria hepática própria, visto que esses shunts poderão causar pneumonite por radiação.
5 – A utilização do tomógrafo acoplado ao angiógrafo durante a RE é recomendada para auxiliar com a anatomia vascular da região.
Características da RE e Variações Técnicas:
1 – A RE é um procedimento realizado em dois tempos (duas sessões em dias diferentes). Primeiro tempo, consiste em realizar a arteriografia (qualquer artéria acessória deve ser identificada) para verificar a anatomia vascular, embolização dos vasos hepatofugais e infusão do composto macroagregado. E o segundo tempo, da injeção das microesferas com Y90.
2 – Atenção especial deve ser dada a artéria hepática esquerda de onde a maioria dos vasos hepatofugais têm origem.
3 – Qualquer shunt arteriovenoso identificado deve ser previamente embolizado.
4 – Radioembolização requer cálculo diferente para cada tipo de esfera.
Para esfera de resina, o cálculo baseia-se na área de superfície corpórea, volume tumoral e volume hepático.
Para esfera de vidro, o cálculo baseia-se na dose alvo nominal e volume hepático.
5 – A técnica de infusão, assim como o tempo de infusão, difere a depender do tipo de esfera.
6 – Deve-se evitar qualquer contato com o microcateter durante a injeção das esferas com Y90.
Seguimento após RE:
1 – Laboratorial – todos os parâmetros da função hepática e marcadores tumorais.
2 – Imagem – Tomografia computadorizada (TC), ressonância magnética e PET/TC.
Resultados:
• Eficácia
Para Hepatocarcinoma:
Vente et al, publicaram uma metanálise que reuniu 14 estudos com um total de 425 pacientes. Em 12 estudos, 318 pacientes, os resultados demonstraram resposta tumoral à RE. Tratamento com microesferas de resina esteve mais associado a melhor resposta tumoral do que as microesferas de vidro.
Salem et al, em um estudo retrospectivo com 291 pacientes com HCC irressecáveis, demonstrou uma resposta global de 57% (utilizando o EASL critério) sendo que 12% dos pacientes apresentaram downstage e poderam receber terapias curativas, como ressecção e transplante.
Lance et al, publicaram um estudo comparativo entre RE x TACE com poucos pacientes (38 x 35) que mostrou que não houve diferença na taxa de resposta global entre os dois grupos. Entretanto, a SPE foi extremamente mais grave no grupo TACE do que no grupo RE, inclusive com maior tempo de hospitalização.
D’Avola et al, em estudo comparativo entre RE versus terapia convencional ou best supportive care, provou a superioridade da RE no que tange ao prolongamento da sobrevida global.
Salem et al, em outro estudo recente, que comparou RE versus TACE para pacientes com HCC irressecável, demonstrou que os pacientes que receberam RE tiveram menos dor abdominal. Não houve diferença entre a toxicidade das duas terapêuticas, bem como não houve diferença na resposta tumoral global. No entanto, a RE prolongou o tempo de progressão tumoral comparado com a TACE. Porém, não houve diferença estatística entre os grupos na taxa de sobrevida global, exceto para os pacientes BCLC estadio C que tiveram maior sobrevida quando receberam a RE.
Para Metástases:
Para metástases, os estudos são muito heterogêneos, o que dificulta a análise objetiva dos dados.
Só existe uma metanálise verificando os efeitos da RE para as metástases colorretais. Este estudo reuniu 18 estudos com o total de 681 pacientes. No entanto, só foi possível concluir que: a resposta tumoral estimada à RE foi melhor no grupo de pacientes que receberam a RE como primeira linha de tratamento contra os pacientes que receberam RE para salvamento.
Gray et al, em estudo controlado randomizado que comparou dois grupos de pacientes portadores de metástase colorretal e que haviam recebido quimioterapia com Floxuridina, e um deles recebeu tratamento adicional com RE, demonstrou que: o grupo que recebeu RE houve prolongamento do tempo de progressão da doença hepática; e a sobrevida global também foi maior neste grupo.
Complicações
Existem algumas complicações específicas da RE, são elas: pneumonite por radiação, ulcerações gastrointestinais, pancreatite, DHRI, hipertensão portal, colecistite e lesões dos ductos biliares. Pneumonite por radiação ocorre em 1% dos pacientes quando as doses padrões são utilizadas. Ulcerações gastrointestinais e pancreatite ocorre em 5% dos casos. DHRI ocorre em até 4% dos casos e é mais comum em pacientes com disfunção hepática preexistente.
Conclusão:
A radioembolização é uma terapêutica poderosa para alcançar resposta tumoral local e melhorar a sobrevida dos pacientes portadores de tumores hepáticos primários e secundários com doença avançada.
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Boa leitura!